sábado, 5 de março de 2011



 TEXTO “KAFKA E A BONECA VIAJANTE”

BREVE REFLEXÃO  
Andrea Ferreira

Amigos do Andaime,
Após a leitura do texto “KafKa e a Boneca Viajante”, que aconteceu nesta última quinta-feira no Ponto de Cultura Garapa, tive o impulso de escrever estas palavras.
Foi uma alegria poder ouvir novamente a leitura do texto e descobrir a profundidade do mesmo revelada de maneira tão simples, na experiência de uma criança e um brinquedo.

Em minha percepção, permeada pelo pensamento do filósofo alemão Walter Benjamin, o texto não só revela o universo infantil, o mundo particular da criança, caracterizado pela presença do lúdico, da fantasia, do faz de conta, onde a criança, segundo Vygotsky, vivencia papéis, interage com o mundo ao seu redor e aprende (no texto Elci aprende a lidar com a perda por meio de uma fantasia criada por Kafka), mas revela também um conceito de infância, que mostra a criança não como um ser incompleto, mas portadora de capacidade perceptiva, de sentimento e sensibilidades, sujeito de suas próprias elaborações cognitivas, capaz de inventar possibilidades. O texto, sobretudo, anuncia possibilidades, especialmente, no que diz respeito às relações e aos valores humanos.

O texto foi escrito no início do século XX, período em que se consolidava uma nova sociedade, uma sociedade moderna construída a partir dos valores do capitalismo, os quais dirigem-se apenas ao progresso técnico e ao trabalho industrial, transformando os sujeitos em objetos, substituindo os valores humanos pelo valor de troca, de mercadoria. Uma sociedade, onde os princípios da arte de observar, ouvir e contar, foram sendo substituídos por um corre-corre desenfreado dos indivíduos em seu cotidiano.

A atitude do personagem Kafka vai na contramão desta nova sociedade, pois o ato de observar o choro (em meio a tantas outras pessoas que nem se importaram com a dor da menina) perceber seu conflito e resolvê-lo da maneira fantástica que o texto revela, nos mostra a dimensão emocional e sensível deste personagem, anunciando que nesta nova sociedade ainda é possível viver e compartilhar experiências, construir uma história fundada na relação com o outro, articulando racionalidade e sensibilidade.

A dialética de Benjamin em relação à modernidade capitalista nos alerta que, se por um lado seu sistema de produção estilhaça as relações sociais, automatiza a vida das pessoas e dilui a percepção, por outro promove abertura para outras percepções, mostrando-nos que somos capazes de ressignificar nossas vidas.

Penso que esta possa ter sido para Kafka uma experiência de ressignificação de sua própria vida. Teria sido bem mais simples procurar pela mãe da menina, levá-la até sua casa ou até mesmo substituir logo a boneca de Elci por outra, mas Kafka é impulsionado a utilizar-se da experiência da palavra. É por meio da palavra que o personagem interage com a menina, não de uma palavra vazia, mas de uma palavra carregada de poesia, capaz de trazer significados para a menina que se integram à sua experiência.

O personagem Kafka cria uma história fantástica, inventa cartas que ensinam a menina a aceitar a perda da boneca. Kafka cria e narra o acontecimento imaginado como uma experiência que faz parte da vida da menina, impresso com as marcas da infância, da fantasia, portanto, carregado de significados. É a palavra, a narrativa de Kafka que promove a fissura na realidade, fazendo o sonho, a fantasia adentrar a realidade de Elci, confortando-a, ensinado-a a lidar com a perda de sua boneca, propiciando aos dois verdadeira experiência.

Assim, compreendo que o texto nos faz refletir sobre realidades construídas, e nos lança o desafio de encontrar o caminho para elevar nossas vivências à categoria de verdadeira experiência.

Há que se voltar para a única realidade existente ao indivíduo, segundo Proust, o mundo de sua sensibilidade, para que os sentimentos adormecidos sejam acordados e o ser seja tocado.

Neste movimento, as palavras devem ter a experiência da aura, assim como o olhar que é correspondido por quem o recebe, e realizar a transferência de uma forma de reação comum na sociedade humana à relação da natureza com o homem, assim como fez Kafka ao perceber e ser tocado pelo choro e a dor de Elci.


Andrea Ferreira
- Professora e mestra em educação.
- Coordenadora do Projeto Plantando Sonhos do Ponto de Cultura Garapa.

Piracicaba 05 de Março de 2011


edição
FRANCISCO ARAUJO
- xikinhu -

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